Fui informado acerca de um mês que se iria realizar este colóquio sobre futebol no Colégio de Quiaios tendo como prelectores dois jovens senhores do futebol português, Mister Paulo Bento e Mister João Carlos Pereira.
Na altura não me lembrei que coincidiria com o dia do jogo da 2ª mão da Liga dos Campeões que opunha, entre outros, as equipas do Chelsea e do Futebol Clube do Porto. No entanto, na vida há momentos em que se devem estabelecer prioridades e a minha prioridade ontem passou pela grande oportunidade de marcar presença num colóquio sobre futebol.
Este encontro estava marcado para as 20h30m, no entanto, apenas começou uma hora mais tarde, uma vez que o Mister Paulo Bento tinha tido uns problemas na sua viatura na viagem para Quiaios. Más-línguas (inclusive a minha;)) não perderam tempo para associar este atraso ao jogo Chelsea-FC Porto a decorrer na mesma altura.
Após um pedido de desculpas da organização, o colóquio começou sendo explicado que seria repartido por três temáticas (modelo e sistema de jogo; transições de jogo; preparação de um jogo) e entre cada uma delas existiria um espaço de tempo para debate e colocação de questões aos prelectores.
Modelo e Sistema de Jogo
Relativamente a este tema, Paulo Bento referiu que “não há apenas um modelo de jogo para cada treinador” e que este depende de vários factores como a cultura do clube, os objectivos do clube, as ideias do treinador e os jogadores que tem à disposição. Acrescentou que o modelo de jogo consiste na forma como a equipa actua nos 4 momentos de jogo: processo ofensivo, processo defensivo, transição defesa-ataque e transição ataque-defesa, sendo depois de definido, treinado numa vertente teórica e prática.
Quanto ao sistema de jogo, referiu que pessoalmente não tem preferência por nenhum, tendo actuado em 4-3-3 nos juniores do Sporting, em 4-4-2 losango como sistema habitual no futebol profissional do Sporting, e 3-5-2 ou 3-4-1-2 como sistema alternativo. Justificou estas opções por acreditar que “quem deve mandar no sistema e modelo de jogo são os jogadores”, dando mais importância à dinâmica implementada no sistema e modelo de jogo.
Por sua vez, João Carlos Pereira não acrescentou muito mais, reforçando que a definição do modelo de jogo deve considerar a cultura do clube, os objectivos e ambições do clube, as estruturas de apoio, exigindo uma definição das regras de funcionamento, a criação de um modelo de treino e clarificação das funções de cada elemento técnico.
Referiu ter trabalhado em diversos sistemas de jogo como o 3-5-2, 3-4-3, 4-4-2 e 4-3-3, sendo este último o seu preferido apesar de realçar a importância da dinâmica para cada sistema de jogo. Para finalizar este tema, declarou que não é um grande adepto de encaixar o seu sistema no do adversário, mas que às vezes faz sentido, necessitando de ter sempre um plano B.
“Num sistema de jogo privilegia-se o momento ofensivo ou defensivo?”
P.B.: Pensa-se no modelo de jogo para as duas situações. É importante conhecer os jogadores pois, por exemplo, com 4 avançados no plantel não é natural actuar em 4-3-3 ficando três avançados de fora cada jogo, sendo necessário retirar o maior rendimento de cada jogador.
“Quais as características dos médios-interiores no seu sistema de jogo?”
P.B.: Sem dúvida que o jogador mais ofensivo é o 4º elemento do meio-campo, tendo sido já utilizados vários jogadores como médios-interiores porque os adversários também são diferentes, podendo os jogadores pelas suas características diferentes adaptar-se à mesma posição consoante esse adversário. Há jogadores que tem maior capacidade ofensiva nessa posição como é o caso do Nani, e outros que tem mais capacidade defensiva como é o caso do Paredes. Por exemplo, com o Paredes permite-se um maior equilíbrio defensivo com a saída dos laterais. Quanto às características destes jogadores, necessitam de chegar à área adversária, dar largura à equipa, ter capacidade técnica e ter uma boa meia-distância.
“Quais as zonas de pressão? Como se adaptaria se actuasse em 4-3-3 e o seu adversário em 4-4-2 losango?”
P.B.: Primeiro que tudo temos de definir as zonas onde se quer pressionar e onde não se quer pressionar. Perdendo a bola até à linha de meio-campo há quase 100% segurança e é importante que nessa zona de perda não haja risco, e estarmos preparados para reagir o mais rápido possível. A jogar em 4-3-3 contra 4-4-2 losango, subia um dos laterais e baixava um dos extremos do lado contrário, é a tal adaptação ao adversário neste caso em termos defensivos.
Transição defesa-ataque e ataque-defesa
Para João Carlos Pereira, o fundamental é o equilíbrio da equipa, devendo existir uma grande eficácia no momento em que se perde a posse de bola e, recuperando a mesma, sair com eficácia, rapidez e aproveitando as debilidades do adversário.
Paulo Bento reforçou a palavra “equilíbrio” como sendo uma palavra fundamental nestes momentos de jogo. Na transição defesa-ataque, deve-se aproveitar a desorganização do adversário tentando não perder o equilíbrio, podendo ser feita esta transição de duas maneiras: ataque rápido ou contra-ataque; posse de bola, quando não é possível ataque rápido de forma a manter os equilíbrios. Por sua vez, na transição ataque-defesa, deve-se recuperar a bola rapidamente, retardar a circulação de bola do adversário ou, em último caso, a defesa em linhas mais baixas. Concluiu dizendo que depende sobretudo dos jogadores à disposição, porque se “tenho jogadores muito rápidos não preciso de ganhar a bola tão rapidamente e retardo assim a circulação ao adversário. No entanto, se tenho jogadores com capacidade técnica e que jogam bem em espaços reduzidos, faço a pressão mais alta.”
Nesta altura, João Carlos Pereira recordou um recente jogo de pré-temporada Benfica-Juventus, em que a Juventus aniquilou o sistema adversário através da pressão zonal, referindo que a Juve pressionava de forma a que os centrais do Benfica tivessem as linhas de passe fechadas e apenas pudessem jogar entre si até que perdessem a bola num passe longo, de forma a manter a segurança defensiva. Aludiu também ao facto do Arsenal actuar com uma pressão zonal semelhante e reconheceu o grande mérito do Barcelona em actuar assim, aliando a grande qualidade na posse de bola devido à qualidade técnica dos seus jogadores.
“Que tipo de transição defesa-ataque o Sporting actua preferencialmente?”
P.B.: O fundamental é a chegada à baliza advsersária o mais rapidamente possível, e o Sporting não joga em contra-ataque porque tem poucos jogadores com essas características, usa prefrencialmente a pressão alta. No entanto, no jogo em Leiria com 10 jogadores, fomos à procura de transições mais rápidas baixando e juntando as linhas, não podendo fazer pressão alta.
J.C.P. A equipa tem de definir momentos de pressão e zonas de pressão. Não há equipa nenhuma que actue sempre em ataque continuado porque depende dos momentos do jogo, podem existir situações prementes de contra-ataque, sendo que a pressão numa zona fora da zona de pressão pode ser despoletada por três situações de jogo: mau domínio de bola, passe atrasado e jogada lateral.
Preparação de um jogo
João Carlos Pereira comparou a preparação de um jogo com o corte da barba, “ podem existir várias maneiras de cortar a barba, pode-se cortar primeiro do lado direito ou do lado esquerdo, mas, tal como a preparação do jogo, qualquer das maneiras está correcta”. Depois de referir que começava a preparação do jogo na Segunda-Feira de manhã para analisar o advsersário e que dava folga na Terça-Feira, deu aquilo a que eu chamo a gaffe da noite. Assumiu em público que alterou o modelo de jogo, que tinha sido preparado durante a semana antes de um jogo contra o Sporting, durante o aquecimento da equipa. Sendo eu um mero observador atento do futebol e acompanhante de uma equipa de júniores de futebol, acredito que esta mudança numa altura de grande concentração para a equipa poderá ser um motivo de desorientação e suicídio para a mesma.
Pelo contrário, Paulo Bento referiu que habitualmente dava folga na Segunda-Feira e que iniciava a preparação ao jogo nas Terças-Feiras, aplicando exercícios para a forma de jogar da sua equipa e do seu adversario, fazendo uma abordagem ao jogo pelo conhecimento do adversário e do seu posicionamento nos diferentes momentos do jogo. Em situações de muitos jogos, trabalha mais os aspectos defensivos e de posicionamento para anular o adversário, uma vez que os aspectos ofensivos exigem ter bola e um trabalho mais prático. Costuma anunciar a equipa no dia do jogo e nunca na véspera e referiu ainda que o trabalho do treinador é até ao jogo (principalmente) e no intervalo do jogo, uma vez que é difícil passar a mensagem durante o mesmo, porque os gritos do treinador não são ouvidos e as mensagens que se possam dar a um jogador para transmitirem à equipa sofrem variadas interferências pelo meio.
"Costuma preparar intensamente os lances de bola parada durante a semana?"
P.B.: O que é para si preparar intensamente?(risos da assistência) Há duas maneiras de preparar um jogo, através de um trabalho analítico/específico ou segundo uma situação de jogo, sendo esta a minha preferida. Na situação analítica coloca-se uma estrutura defensiva e outra ofensiva para um trabalho mais específico mas a receptividade dos jogadores é menor, há uma maior desmotivação e não há nenhum treino que se apresente perto da realidade do jogo. Penso que foi Benítez que disse que tinha ganho a Champions por grandes penalidades mas sem as preparar no último treino antes da final, porque as situações são diferentes, nomeadamente a pressão do público.
“Digo isto porque nos últimos jogos o Sporting teve inúmeros cantos sem marcar um único golo...”
P.B.: Também tivemos jogos com a Naval, Marítimo e Estrela da Amadora em que decidimos os jogos através de bolas paradas e na altura fomos criticados por marcarmos golos apenas desta forma, no fundo há situações em que treinando-se de forma semelhante os lances saem com mais ou menos frequência, mas claro que devemos estar atentos.
“Trabalha para a equipa considerando os picos de forma dos seus jogadores?”
J.C.P.: Antigamente começava-se a preparar um jogo grande 15 dias antes, dando uma tareia física aos jogadores para que chegassem ao jogo grande numa forma física considerável. No entanto, esquecia-se que entre esses 15 dias existiam outros jogos importantes em que a equipa surgia mais lenta e adormecida, sendo criticada nessas alturas pela quebra física dos seus jogadores. Com os estudos que tem sido feitos, acredito que o futebol deve ser encarado como uma prova de regularidade e não devemos trabalhar para ter picos de forma.
“Não seria preferível adoptar uma posição mais distante durante o jogo, trocando o banco pela bancada na visualização do jogo?”
P.B.: Nunca tive a oportunidade de assistir a um jogo da bancada mas sinto-me bem no banco, é na minha opinião o melhor sítio para ver o jogo, porque na bancada vivemos o jogo de forma emocional e no banco a atitude exige mais racionalidade. Quem grita muito do banco é sinal que não preparou bem o jogo e não é esta a minha forma de actuar.
J.C.P.: Quem não tem domínio emocional não pode ser treinador, os jogadores fazem muito dentro do campo aquilo que somos cá fora e, por isso, devemos adoptar um comportamento que a equipa necessite, acreditar para a equipa acreditar também, e dar um grito ou dar um pontapé no banco se for preciso para a equipa acordar.
Jornalista da RDP: “Não seria benéfico para a preparação da equipa ter treinos à porta aberta de forma a simular melhor as situações de jogo e a pressão do público?”
P.B.: Se eu estiver no deserto consigo, não vamos dar água um ao outro (risada geral do público)...Seria uma vantagem ter o público presente para aumentar o rendimento dos jogadores simulando situações de pressão do jogo, no entanto não posso oferecer os trunfos ao adversário e, com treinos à porta aberta, a informação seria passada cá para fora podendo colocar em causa o trabalho de uma semana.
“Como motiva os jogadores não convocados?”
P.B.:A questão da motivação é muito importante, posso dizer que no primeiro treino após o jogo, estou a assistir ao treino dos não convocados.
“Falando do futebol de formação, não seria vantajoso a existência de equipas B para fazer a transição adequada para o futebol profissional?”
P.B.: É uma ideia, no entanto pode-se formar jogadores para a equipa principal sem equipa B, podendo-se fazer isso apoiando-se no 2º ano de júniores ou emprestar jogadores a outras equipas como ponte para a equipa principal do Sporting. Moutinho surgiu da equipa de júniores, Miguel Veloso e Yannick tiveram uma passagem pela segunda divisão B, e Pereirinha esteve meio ano na Liga de Honra passando para a equipa principal. A equipa B é uma boa ideia mas não é fundamental porque, além disso, baseia-se em projectos limitativos em termos de subida de escalão e participação na Taça de Portugal. Desta forma, os jogadores emprestados encontram outras perspectivas noutros escalões e conseguem completar a sua formação técnica e física.
Em suma, foi um encontro enriquecedor apesar de sentir algumas respostas circulares a algumas questões, muitas vezes teóricas demais parecendo um curso de treinadores, e uma postura fechada dos dois treinadores quanto à definição da sua filosofia e estratégia de jogo. Talvez seja compreensível, uma vez que estávamos perante treinadores jovens, com pouca experiência e sendo um deles o actual técnico de um clube grande. Senti ainda uma diferença de postura de Paulo Bento na relação em grupo e na relação pessoal. Assim, Paulo Bento pareceu-me ser muito sério a falar com multidões, esboçando raramente um sorriso, no entanto, a nível pessoal, esboçou alguns sorrisos e ainda pousou para algumas fotos com alguns adolescentes. No final, ainda ouviu-se um adepto leonino despedir-se para Paulo Bento com a frase: “Mister, continue a acreditar, ainda faltam 30 pontos...”