Final de turno da noite e eis que surge a chamada de um médico desconhecido para saber se um médico do serviço estava de férias. Como não tenho acesso à escala dos médicos e não havia nenhum médico presente no serviço, respondi gentilmente com um "Não tenho esses dados, mas poderia ligar mais tarde quando surgir um colega seu ou a secretária clínica". A resposta do outro lado foi "Você não me quer dizer, esse serviço trabalha muito mal para vocês não saberem as presenças uns dos outros e vou fazer uma reclamação contra si". Passado pouco tempo desliga-me o telefone, deixando-me a falar sozinho.
Fiquei muito agastado com esta situação. Primeiro, pelo cansaço natural do final de um turno da noite. Segundo, porque há gente que pensa ser o dono do mundo e que terá que ter toda e qualquer informação sempre que o desejar, independentemente da disponibilidade da mesma. Gostaria de saber se ele enquanto médico também saberá as escalas dos enfermeiros e auxiliares no seu serviço, e essas de facto existem e estão disponíveis. Terceiro, porque nos últimos meses, as palavras mais ouvidas no meu serviço deverão ser reclamações e processos. E isto independentemente da qualidade dos serviços, porque acredito que seja um problema geral. Quarto, porque tanto se exige a qualidade do serviço dos outros e no final de tudo responde-se com um acto de profunda má educação. Desligar o telefone sem aviso é de uma baixeza tremenda!
Não sei se terei reclamação ou não, a mim pouco me importa quando a minha consciência está tranquila, o que mais me preocupa no meio desta situação toda é a profunda inversão do rumo a dar ao contexto actual. O mundo está como está por uma enorme crise de valores e princípios, e quanto mais a crise se desenvolve, maior é a prepotência e o individualismo das pessoas, ao invés de uma renovação nos valores da união e solidariedade. Em dia de 11 de Setembro, bem se podia cometer um atentado ao edíficio do materialismo humano!
7 comentários:
Concordo com a ideia implícita no último parágrafo, e acrescento que a crise económica só veio potenciar a crise social, nomeadamente a crise de valores... ambas já se anunciavam, já se tinham instalado sorrateiramente, mas falta o detonador - o dinheiro!
E, infelizmente, há uma característica portuguesa que eu odeio: a soberba. Enfim...
"O mundo está como está por uma enorme crise de valores e princípios, e quanto mais a crise se desenvolve, maior é a prepotência e o individualismo das pessoas, ao invés de uma renovação nos valores da união e solidariedade. Em dia de 11 de Setembro, bem se podia cometer um atentado ao edíficio do materialismo humano!"
Gonçalo, depois disto, nao comento absolutamente nada. E se reclamarem contra ti, trata da situação como se estivesses a responder um sms a um desconhecido, ou melhor, ainda, espeta com este teu trecho final a tua melhor defesa.
Ab
GATA:
Eu continuo achar que a crise social e de valores é a causa de toda a crise económica. O dinheiro sempre foi um obstáculo e apercebe-se cada vez mais num período de grande injustiça social. O pessoal anda muito nervoso...
Lobinho:
Obrigada pelo teu apoio. Estou tranquilo porque este texto não revela medo de qualquer tipo de reclamação, porque tenho quase a certeza que não acontecerá. Este texto apenas serve para mais um motivo de reflexão sobre a crise de valores numa época tão conturbada economicamente. Dá para contornar a situação?
Pessoas com a mania da superioridade são assim, certamente que se tivesse sido um diretor, por exemplo, a atender a chamada a resposta não seria a mesma. Crise de valores, sim. E não me parece que essa se resolva com facilidade, infelizmente
Catita:
Há gente muito sensível ao contexto. Eu procuro a constância, felizmente!
:)
Sim, já reparei que cada vez mais há a mania de se tratar os outros como empregados reles, submissos, em vez de como seres humanos que, tal como nós próprios, cometem erros nos seus trabalhos ou simplesmente há coisas que não sabem ou não têm acesso. Tenho para mim que isto será um efeito bola de neve: a malta anda frustrada e quando se vê como cliente descarrega nos restantes e exerce o poder que noutras alturas lhe é negado.
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